A PIEDADE
«Sucedeu que Jesus estava algures a orar. Quando acabou, disse-lhes um dos seus discípulos: "Senhor, ensina-nos a rezar, como João ensinou aos seus discípulos." Disse-lhes Ele: "Quando orardes dizei: Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; dá-nos em cada dia o pão nosso da nossa subsistência; perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende e não nos exponhas à tentação."» (Lc 11, 1-4). Ao chegar a plenitude dos tempos, Jesus Cristo partilhou com os seus discípulos o modo como havíamos de nos dirigir ao Pai. Em todas as circunstâncias da nossa vida, devemos olhar para o Pai com a filial confiança que brota do próprio coração de Deus Pai, Abbá, que se nos deu com todo o Seu Amor. De facto, pelo Baptismo, somos Filhos de Deus no Filho Primogénito de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo que, com o Pai, nos envia o Espírito Santo, que, pelo Dom da Piedade, nos ensina e oferece a confiança e a doçura para, na proximidade de filhos, nos relacionarmos com Deus. É o próprio Abbá, Pai, terno e amoroso, que nos atrai para Ele, mediante a acção do Espírito Santo, que habita nos nossos corações. Ele propõe-se no Seu Amor e nunca se impõe, no Seu poder, à nossa liberdade.
O Apóstolo S. João convida-nos a considerar o imenso Amor de Deus ao considerarmo-nos Seus filhos, animando-nos a corresponder à acção do Espírito Santo, que nos impulsiona a tratar Deus com confiança e ternura: «Vede que Amor tão grande o Pai nos concedeu, a ponto de nos podermos chamar Filhos de Deus; e, realmente, somos!» (1 Jo 3, 1). Esta confiança filial manifesta-se particularmente na oração que o próprio Espírito suscita no nosso coração: «É assim que também o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rom 8, 26).
Graças a estas moções do Espírito Santo, podemos dirigir-nos a Deus de modo adequado, em orações ricas e variadas, tal como a vida que experimentamos em cada momento e circunstância: quando sentimos a sua ausência, «porque escondes, Senhor, o Teu rosto?» (Sl 43, 25); quando sentimos fome e sede do Seu Amor, «A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro como terra árida, sequiosa, sem água» (Sl 62, 2); quando nos sentimos em íntima união com Ele, «Na terra, só desejo estar contigo» (Sl 73, 25); quando experimentamos a certeza da Sua misericórdia, «procurei o Senhor e Ele respondeu-me, livrou-me de todos os meus temores» (Sl 34, 5).
O Dom da Piedade manifesta-se em nós também na perseverança da oração, quando rezamos sem desanimarmos, pedindo-Lhe os Dons de que mais necessitamos, permanecendo na oração até Ele se manifestar no Seu tempo propício. Este Dom leva-nos também a identificar o nosso querer com o querer de Deus, pois sabemos
secretamente que, sendo Ele Pai, quer sempre o melhor para cada um dos seus filhos e para todos os seus filhos. Desta confiança na oração fiel há-de brotar em nós a segurança interior e a audácia espiritual, afastando de nós a angústia e a inquietação, sofrimentos propícios daqueles que se apoiam somente nas suas forças. A Piedade ajudar-nos-á a permanecermos serenos e confiantes perante os obstáculos, pois sabemos que não estamos sós...
O Dom da Piedade leva-nos ao conhecimento daquilo que Deus espera de nós em cada momento da nossa vida, pois a oração conduz-nos a uma intimidade com Deus e com o seu querer. Assim, torna-se uma felicidade corresponder ao querer de Deus e nasce em nós a serenidade, pois experimentamos que até as coisas difíceis que surgem em nossas vidas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus (cf.Rom 8, 28). Os próprios deveres da justiça e da caridade são confirmados e melhor assumidos, através do Dom da Piedade, pois o Amor filial a Deus leva-nos a olhar para todos os seres humanos como nossos irmãos e perceber neles e em cada um deles um caminho directo para Deus: «Sempre que fizeste isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizeste» (Mt 25, 40).
O Dom da Piedade ensina-nos também a sabedoria do perdão, da reconciliação e da purificação da memória. O perdão generoso e incondicional é um bem que distingue os Filhos de Deus, pois estes experimentam, muitas vezes, a sua própria fraqueza e a grande misericórdia de Deus, no Seu perdão absoluto. A experiência do perdão do próprio pecado abre-nos à compreensão das fraquezas dos nossos irmãos. Ao sermos filhos no perdão de Deus, tornamo-nos irmãos no Mandamento Novo do Amor, que o Filho nos propôs: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai, que está no Céu» (Mt 5, 44-45).
Entre os frutos que o Dom da Piedade produz na vida daqueles que o acolhem e lhe oferecem a correspondência da vida em oração, saliento o Amor à Palavra de Deus, pois a Sagrada Escritura revela-nos o Rosto do Pai e conduz-nos nos caminhos da intimidade, gerando em nós a oração do diálogo com Deus, através da Sua Palavra, semeada em cada um de nós, através da sabedoria da escuta.
A Lectio Divina proporciona-nos a aprendizagem da sabedoria de Deus e o conhecimento íntimo do Seu Coração e isto acontece pelo Dom da Piedade na Oração da Palavra; escuta, compreensão, interiorização, exame de consciência, compromisso e acção.
A serenidade e a alegria próprias dos filhos de Deus nascem também da atitude do abandono à Providência e Misericórdia de Deus, que a oração nos oferece. Por isso, longe da alienação desencarnada, a verdadeira Piedade conduz-nos por caminhos de compromisso com a Justiça e com o Amor, fazendo de cada orante parcela de mundo novo e fermento do Reino de Deus, já presente nas suas vidas e, pelas suas vidas, na história do encontro de Deus com os homens.
Pe. Senra Coelho
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